quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Se comunista não come criancinha, anarquista não é “porra-louca”

I – Individualismo e Liberdade

“Não temos medo das ruínas. A Terra será nossa herança; disso não resta a menor dúvida. A burguesia tem que mandar seu mundo pelos ares antes de deixar o palco da História. Trazemos um mundo novo dentro de nós, que cresce a cada momento. Ele está crescendo neste instante, quando estou falando com o senhor.”

[Durruti, anarquista da CNT e comandante das Brigadas de Aragão durante a Revolução Espanhola de 1936, em resposta à pergunta de um jornalista]


“Comunista come criancinha!”, diziam os ditadores na década de 1970. “Anarquista é porra-louca!”, diz a ignorância do senso-comum, com insistência.


Desde a contracultura de meados do século passado que slogans são repetidos aos quatro ventos sob a pecha de “Anarquismo”. “Liberdade” confundida com fazer o que bem quer e entende, “ausência de poder” e “ser contra a representação” ou até mesmo “contra a democracia” (ou melhor: à votação) são legados que ficaram de uma leitura enviesada – quando não de um desconhecimento deliberado – daquilo que os velhos militantes libertários defendiam desde o século XIX. Como se “responsabilidade”, “ética”, “compromisso” e “respeito ao outro” não fizessem parte do vocabulário dessa velha tradição de lutadores. Toda uma geração de garotos mimados e cheios de empáfia veio a encarar no Anarquismo a panacéia para seus problemas existenciais. Confundiu-se “transformar o mundo” com “transformar o mundo que se tem dentro de si”. Saiu a política, ficou o comportamento. E sob os escombros de todo um conjunto de valores da “velha guarda”, a nova geração mandou às favas dizendo ser tudo aquilo “caretice”. E hoje o sujeito vem fazer de uma manifestação, que reivindica a conquista de direitos (PASSE-LIVRE, por ex), um momento de entrar em catarse individual e explosiva (no duplo sentido). Como se uma manifestação fosse um show de rock.


“O objetivo da propaganda e da polêmica é convencer e persuadir. No entanto não se convence e não se persuade com violência na linguagem, com insultos e ataques, mas com cortesia e educação.”, ponderava Luigi Fabbri, ainda em 1918, em um artigo de título bastante elucidativo: “Influências Burguesas no Anarquismo”.


Ser anarquista não é o mesmo que ser INDIVIDUALISTA. Defender a individualidade não é o mesmo que defender o império do Eu. Não é porque discordamos da postura de um ou outro grupo ou de alguma pessoa que precisamos sair quebrando literalmente o pau em nome de uma maioria (o ato) que inclusive não concorda com essa raiva hormonal. Discordância não é sinônimo de DISCÓRDIA. Substituir o diálogo por dedos em riste e braçadas, tendo como prerrogativa acabar com o controle e a autoridade exercidos por essa ou aquela corrente, é trocar 6 por meia dúzia. Se não queremos a “ditudura do proletariado”, por sabermos que seria essa nada mais que uma simples ditadura – e pior: SOBRE o proletariado -, tampouco podemos desejar a imposição de um indivíduo sobre os demais se somos minimamente compromissados e coerentes. Se discordamos de um ato de um grupo ou pessoa, nossa luta deve ser para influenciar e mostrar o porquê de estarmos corretos e não empurrar goela abaixo nossa vontade. Claro, não podemos ser ingênuos: existem sempre aqueles que querem controlar uma manifestação em nome da promoção de seu grupo ou futura candidatura. Mas nem por isso devemos insultar e agredir, sob o perigo de tomarmos o seu lugar de AUTORIDADE.


Este é um tipo de atitude autoritária e o nosso papel enquanto libertários é o de combater o autoritarismo e a imposição. Parafraseando o velho anarquista, nossos atos devem na realidade mostrar aquele novo mundo que cresce a cada instante dentro de nós.



II-Estatismo e Organização




“Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.” [Mikhail Bakunin, "Estatismo e anarquia"]


Ao contrário da associação grosseira que muitos desinformados replicam como papagaios, o Anarquismo não é uma corrente anti-organizativa. A crítica do Anarquismo ao Estado se dá porque o entendemos como um centro de poder sempre utilizado por uma minoria para oprimir uma maioria [seja em situações de exceção como ditaduras ou em tempos "pacíficos" como a democracia representativa burguesa que vivemos hoje].


Como aponta Murray Bookchin, nos livros “Municipalismo libertário” e em “O bairro, a comuna e a cidade… Espaços libertários!” (Ed.Imaginário), a formação do Estado-Nação obscureceu o real sentido da política. A gestão da coisa pública deixou de ser feita em nível comunitário, pelas pessoas em assembléia. As tarefas antes executadas por conselhos passaram a um corpo administrativo verticalmente estruturado. Política, a gestão da sociedade pelo povo, transformou-se em gestão da estrutura burocrática por uma elite. O Estado tornou-se o corpo administrativo que encerra as decisões sobre a organização social. A instância administrativa e executora de tarefas se fundiu com a instância decisória e cabe agora a um corpo de políticos profissionais, e não à população, decidir como, o que e por que fazer algo. Matou-se as assembléias e criou-se a representação cristalizada.


Hoje, portanto, a política virou negócio de burocratas que decidem sozinhos o que milhões terão de fazer. A maioria perde o controle das decisões. É a esta confusão que somos contrários. A economia, o direito, as instâcias administrativas devem refletir as discussões e deliberações populares. E não o contrário. O anarquismo reivindica, portanto, o resgate do real significado da política: a subordinação das ações administrativas, técnicas, EXECUTIVAS, à assembleia popular a nível comunitário.


Negar o Estado como o conhecemos não significa negar a organização social. E sim propor uma nova.


III – Cultura política e Autogestão


“É por isso que a anarquia, quando trabalha para demolir a autoridade sob todos os aspectos, quando pede a revogação das leis e a abolição d


o mecanismo que serve pra impô-las, quando recusa toda a organização hierárquica e prega o livre acordo, trabalha ao mesmo tempo para manter e alargar o núcleo preci


oso de costumes de sociabilidade sem os quais nenhuma sociedade humana ou animal poderia resistir. Apenas, em vez de pedir a conservação destes costumes sociais à autoridade de alguns, ela pede-os à ação contínua de todos.” [Piotr Kropotkin, "A Anarquia: sua filosofia, seu ideal"]


Mais que uma abstração idealista, clamar pela gestão popular e direta da sociedade é propor uma metodologia clara de educação política. A escolha simbólica de um punhado de representantes a cada dois anos degrada e aparta o povo, que não entende como pode mudar uma situação de injustiça e vê nos governantes a solução e causa de todos os problemas sociais.


Entre perdas e ganhos, era este um dos saldos positivos da democracia ateniense: era na política, na participação em assembléia que se formava o


cidadão. É nos espaços de DECISÃO e DEBATE que se partilha da gestão, que se toma tarefas e se entende a estrutura social. O entendimento da política passa, portanto, pela criação de uma CULTURA de ação direta, em oposição à atual prática de entrega do poder (via parlamentar e indireta).


E não basta de um dia para o outro tomarmos os meios produtivos e o aparelho estatal. Distribuir igualmente a riqueza não significa necessariamente distribuir também o poder deliberativo ou criar espaços para a dicussão coletiva. Pelo contrário: a história nos mostra que quando o trabalhador não participa das decisões em seu local de trabalho e no espaço em que vive, um foro que lhe é alienígena não só o controla, impondo medo, como o aliena.


Se queremos uma participação de fato democrática, temos que estabelecer acordos que atendam aos diretamente interessados para garantí-la. Democracia, em seu sentido estrito, nada mais é que a gestão direta do povo sobre o que é seu. Fazer da coisa pública, pública. E autogestão nada mais é que o desenvolvimento dessas premissas. A radicalização da democracia.


Autogestão exige responsabilidade coletiva e não é o espaço para um individualismo liberal. É preciso discutir e definir coletivamente acordos,


assumir tarefas e cumprí-las. Agir “por si mesmo” e “com a própria cabeça” são posturas de um ditador em regime totalitário ou de um egocêntrico que ignora as pessoas ao redor. A organização coletiva é extremamente complexa e nada tem a ver com irresponsabilidade, caos e destruição impensada.


Assim como o Anarquismo.


Por Mateus Toledo & Leilane


Fonte: Difusão Libertária

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