Este texto que segue foi originalmente publicado aqui, onde poderás encontrar (e participar) toda a discussão que vai gerando.
Escrevo este pequeno texto porque estou indignado! Estou indignado pelo facto dos “indignados” me roubarem a minha dignidade quando me roubam a possibilidade de me insurgir com todas as armas que possa ter à minha disposição contra a máscara visível de toda a miséria, corrupção e exploração. Estou indignado porque se o fizer seria considerado “polícia infiltrado” a soldo do Estado. Poucas coisas me roubam mais a minha dignidade do que essa afirmação e contra ela exponho a minha opinião.
Esta diatribe surge no seguimento daquilo que foi a manifestação do 24 de Novembro, dia da greve geral, e de uma ideia que paira no ar de que terá sido somente obra de infiltrados toda a “grande” confusão que aconteceu por um breve instante nas escadarias de acesso ao Parlamento. O facto daquilo ter sido de certa forma empolado pelos meios de comunicação social já de si seria merecedor de uma certa crítica, já que estando presente o que vi foi uma tentativa frustrada de ocupação dessa escadaria, desde logo controlada pelos inúmeros membros das forças policiais presentes no local. Mas a crítica aos meios de comunicação será, neste e noutros casos, inócua já que todos nós sabemos como se alimenta do sensacionalismo da mediatização das imagens. A crítica aqui é feita à forma como, desde logo, se tentou atribuir a completa responsabilidade dessa tentativa de ocupação aos agentes que seguiam à paisana o “cortejo” que saiu do Marquês de Pombal para se juntar à “procissão das velas” que o esperava no Rossio.
O facto desses agentes infiltrados se encontrarem entre os manifestantes não e algo que vá ser aqui posto em causa. Afinal de contas, foram eles que monitorizaram o comportamento dos manifestantes e que deram a ordem de detenção aos que, supostamente, terão tido comportamentos por eles tidos como desviantes. Nesse sentido, não se quer pôr aqui em causa o facto da polícia utilizar todo o tipo de tácticas para controlar e destruir um movimento, como por exemplo a utilização de agentes provocadores. São notórios os exemplos ao longo da nossa história de situações do género, muitos deles com resultados bastante funestos. Mas apesar de isso poder ser um facto, não nos deve levar a que nos desresponsabilizemos em relação aos nossos próprios actos, ou será que todas as conquistas do passado, foram também elas obra de “agentes provocadores”?
O que tenho percebido ultimamente, através de diversos canais de comunicação alternativos, é que se tenta passar uma ideia de que tudo aquilo foi obra de uma orquestração maquiavélica por parte da polícia, o que levou a que uns tantos ingénuos ou estúpidos caíssem no engodo, tendo lançado pedras e garrafas porque a polícia assim os levou a fazer. Isso revela-se, na minha opinião, um insulto a quem, de alguma forma, reagiu ao que se estava a passar de uma forma mais contundente. Nesse sentido, foi utilizado diverso material fotográfico e filmográfico para comprovar essa teoria. E é um facto que se comprova a existência de agentes à paisana entre os manifestantes, mas só para quem é muito ingénuo ou para quem utiliza esses dados por má-fé, é que isso poderá ser uma novidade. E também se comprova a existência de violência extrema por parte da polícia sobre alguns manifestantes, mas quando se entrega um bastão e uma pistola a alguém que é treinado para ser violento, e se legitima a utilização dessas armas, do que é que se está à espera? Nesta situação vejo mais uma vez a ser utilizada a estratégia da vitimização, último reduto de uma esquerda frustrada por não ter relevância governamental. Só dessa forma se consegue beliscar os ocupantes da cadeira do poder, pois o facto de se lançar uma garrafa já de si é considerado um acto extremista e altamente condenável. A única coisa que depreendo de tudo isto é de que esta gente ou espera que se pedinchar muito, fazendo-se passar por vítimas, poderá de alguma forma receber uma bênção dos senhores do poder, ou sente o prazer do dever cumprido se passear de mês em mês pela Avenida da Liberdade gritando frases como “FMI, fora daqui!”.
O que é um facto é que a própria esquerda, ao atribuir a responsabilidade daquela escaramuça aos polícias, criminaliza automaticamente qualquer resposta mais veemente numa manifestação. E num país de “brandos costumes” como o nosso, nem sequer quero pensar o que vai ser se houver uma resposta mais contundente na rua de quem já está farto de pedinchar às portas do Parlamento. Já estou a ver a condenação em público de todos aqueles “energúmenos” que vêm para a rua destruir um movimento tão bonito como este que pede esmola mas não esfola, desculpem o artifício linguístico. Será que toda a gente sofre de amnésia ou não se deu ao trabalho de vasculhar entre livros de história para perceber que o Poder nunca concedeu nada sem que uma gota de sangue fosse derramada? Não quero, contudo, fazer a apologia do sangue derramado, queria apenas alertar para esse facto, de que existem diferentes formas de luta, diferentes formas de reagir, e se queremos construir um movimento de luta bastante forte há que ter a consciência daquilo que dizemos e da forma como actuamos. Ao responsabilizar a polícia por aquilo que se passou, desresponsabilizando-nos a todos nós pela forma como actuamos, tenha sido de facto ela ou não o agente provocador, e ao entrar numa espiral de vitimização de cada vez que algo de similar se passar, vamos de forma indirecta criminalizar pessoas que se manifestam ao nosso lado e que pensam que isto não vai lá com falinhas mansas. É nesse sentido que penso ser importante desmistificar a ideia de que se vai tentando criar de que somos todos muito pacíficos, e de que é somente a polícia que provoca a violência.
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