O Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), traz fortemente esta discussão há décadas, além de pautar o machismo no interior dos próprios movimentos sociais, tabu que vem felizmente arrefecendo e encontrando espaços de discussão e ação que revertam tal contexto ? ainda longe de totalmente transformado. Além disso, a Via Campesina e os diversos movimentos que a compõem buscam incorporar o temário do feminismo nas lutas camponesas.
Uma ação marcante foi a ocupação de laboratório da empresa Aracruz no Rio Grande do Sul, há 5 anos atrás . Assim como a ação contra a terra grilada pela Cutrale no interior de São Paulo, ( novidades sobre o caso ) ocorrida ano passado, que consistiu em destruir pés de laranja plantados ilegalmente a ação contra a multinacional Aracruz causou polêmica na opinião pública. Não era de se esperar algo diferente, afinal sabemos que a mesma ladainha criminalizante será bombardeada pelos grandes veículos de comunicação.
Este ano, apesar do calendário truncado devido ao carnaval tardio, ofoco do dia 8 de março em Santa Catarina foi uma atividade de formação em Campos Novos, que reuniu cerca de 450 participantes, em sua maioria mulheres. Consistiu em formação sobre agroecologia e soberania alimentar, exatamente num estímulo a discussões sobre o tema já engendradas há algum tempo pelos movimentos.
Como último exemplo de como a discussão têm sido implementada na prática, sugerimosescutar depoimento da agricultora Lurdes , do município de Marema-SC, participante do MMC e premiada por suas iniciativas em agroecologia.
14 de Março
O 14 de Março é o Dia de Luta Internacional contra as Barragens, que ganhou tal vulto por que em 1991 foi realizado o primeiro encontro nacional de atingidos por barragens, em Goiânia, no qual fundou-se o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Àquela época, as lutas já eram grandes, devido aos imensos impactos sócio-ambientais conhecidos por obras anteriores e o histórico autoritarismo com o qual as populações ribeirinhas eram tratadas pelo setor elétrico estatal, que ignorava a necessidade de amplo diálogo e publicização de informações sobre todos os passos dos empreendimentos, principalmente hidrelétricos, a serem realizados.
Mesmo com as diretrizes do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) sobre a realização de Estudos de Impacto Ambiental (resolução01/1986), a abertura de departamentos sócio-ambientais em algumas empresas do setor, a pressão de movimentos sociais e de organismos internacionais para que a postura das empresas mudasse, muito ainda havia por fazer. Falava alto o legado dos anos 70 e 80, com a implementação de obras que alagaram regiões inteiras e expulsaram populações ( Tucuruí e Balbina , na região Norte, Sobradinho e Itaparica no Nordeste, Salto Santiago, Passo Fundo, Itaipu bi-nacional e Salto Osório no Sul), sem as devidas medidas compensatórias.
A região Sul do Brasil, local onde em 1979 nasceram as lutas mais organizadas contra os barramentos em torno da Crab (Comissão Regional de Atingidos por Barragens), com sede em Erechim-RS, mobilizava-se contra à implantação de hidrelétricas previstas no que ficou conhecido como projeto Uruguai. Entre os casos mais polêmicos estavam as Usinas Hidrelétricas de Energia (UHEs) de Machadinho e Itá, embora houvesse um total de 19 empreendimentos previstos e 22 barramentos (três eram para regularização do fluxo das águas).
O projeto Uruguai foi uma iniciativa da Eletrobrás, ainda nos anos 60, de estudo sistemático do potencial hidrelétrico de toda a bacia do rio Uruguai para posterior utilização dos 90% identificados como possíveis. Este estudo foi elaborado por uma Comissão Canadense-Americano-Brasileira (Canambra), a partir de critérios baseados apenas nas técnicas da engenharia e em indicadores econômicos de eficiência energética. Teve como objetivo a geração de 9500MW, num momento de verificação da insuficiência da matriz termoelétrica até então vigente no sul do Brasil ? sabia-se que o carvão da região era de baixa qualidade e em quantidade incapaz de suprir a crescente demanda. Ao mesmo tempo, sabia-se que aproximadamente 36mil pessoas seriam diretamente afetadas, em 177 municípios, numa extensão de 1500 km² alagados.
MAB pauta uma discussão polêmica, que é a mudança de modelo energético, organizado para produzir energia enquanto mercadoria muito mais barata para indústrias de minério (a multinacional ALCOA, a Vale do Rio Doce, por exemplo) e construção civil (Votorantim, Odebrecht, Camargo Corrêa, Quieroz Galvão) do que para consumidores comuns da cidade. A diferença é brutal: enquanto tais empresas têm o custo da tarifa do kW reduzido (0,06 centavo), o consumidor paga quase 10 vezes mais (0,50 centavo o kW). É por isso que uma das campanhas com maior repercussão do MAB foi exatamente ?O preço da luz é um roubo?, cujo objetivo era publicizar a lógica perversa e mercantil do modelo energético e, ao mesmo tempo, exigir que casas com consumos baixo de energia fossem liberadas de pagar qualquer conta ? seria uma espécie de tarifa social. Em Florianópolis ela ocorreu no ano de 2007, quando o MAB, junto com movimentos urbanos, percorreu casa por casa algumas comunidades de baixa renda, como o complexo Monte Cristo, a fim de dialogar com a população acerca dos temas da campanha.
No entanto, após o período neoliberal mais ferrenho pelo qual passou o país, à época de FHC, o setor elétrico reorganizou-se, devido exatamente à privatização de diversas empresas estaduais e ao esvaziamento das empresas constituintes da holding Eletreobrás ? falamos aqui especialmente da Eletronorte e da Eletrosul, tendo esta última inclusive vendido sua estrutura de geração (responsável por 7% da capacidade nacional e 50% da regional, à época do leilão, em 1998) para a belga Tractebel Suez. Permaneceu apenas com as linhas de transmissão. Além disso, instaurou-se como agência reguladora (a função estatal da regulação foi, ao menos no plano normativo, hipertrofiada pela agenda neoliberal) a ANEEL. As empresas beneficiadas pelo baixo preço da energia, associadas a bancos como o Bradesco, passaram não só a comprar barato, mas também a compor os consórcios responsáveis pela construção das novas hidrelétricas. Todo o ciclo estava agora nas mãos dos capital privado, observado pela agência reguladora, financiado com empréstimos a juros baixos por parte do BNDES e estimulados pelo Ministério de Minas e Energia por estarem dinamizando um setor estratégico da economia (geo)política nacional.
Com a privatização, as formas de negociação ficam mais difíceis. Com a Eletrosul alguns formatos de discussão já estavam se consolidando, principalmente no que dizia respeito à qualidade de medidas compensatórias - reassentamentos coletivos e assistência técnica contínua estavam entre as mais importantes para os atingidos. Com empresas privadas a coisa é mais difícil, como mostraram ao mundo ambientalistas e camponeses atingidos pela construção da UHE Barra Grande, componente do projeto Uruguai ( mais informações sobre o inacreditavelmente tortuoso processo de Barra Grande ). Os conflitos agudizam-se, a contradição se acirra. Mesmo assim, a questão de direitos violados pela construção de barragens ganha visibilidade mundial, engendrando a Comissão Mundial sobre Barragens, com representantes de atingidos, de agências financiadoras, de empresas e governos ( leia relatório )
Agora, como a própria progamação de lutas do 14 março de 2011 deixa explícito, os olhos voltam-se para o Norte do Brasil e a implantação de um complexo de hidrelétricas no rio Madeira: Belo Monte, Xingu, Jirau, Santo Antônio. O MAB organizou algumas iniciativas interessantes como pescarias coletivas em Altamira (PA), com posterior partilha de peixes; o encontro de atingidos em Rondônia, devido às hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Samuel. Além disso, tem-se empenhado na efetivação da lei que obriga o cadastro sócio-econômico de atingidos em futuros empreendimentos, o que retira um pouco da arbitrariedade dos laudos contratados pelos consórcios barrageiros; por fim, constrói o I Encontro de Mulheres Atingidas, que acontecerá em abril (outro mês importante para a luta camponesa, devido à fundamental lembrança do massacre de Eldorado dos Carajás), em Brasília ? no lastro do que ocorreu ano passado, na mesma capital, que recebeu o primeiro encontro da juventude atingida.