quinta-feira, 15 de março de 2012

Desenvolvimento não é qualidade de vida – o caso da Via Mangue




O aniversário de Olinda e Recife não foi só de festa. Na segunda feira do dia doze de março, moradores das comunidades Deus nos acuda e Pantanal foram às ruas contra o projeto de construção da chamada Via Mangue. Durante o início da noite, os manifestantes bloquearam a Avenida Domingos Ferreira ao atearem fogo em pneus e outros objetos. A avenida corta o bairro de Boa Viagem, zona sul da cidade, local tomado pela especulação imobiliária. A paralisação do trânsito provocou um congestionamento considerável. Uma fila de carros se estendeu por alguns quilômetros, chegando até a avenida Agamenon Magalhães. Os participantes do ato cobravam um acordo minimamente justo, rechaçando os 5 mil reais oferecidos pela prefeitura por suas casas. A comunidade a ser atingida pela obra é antiga no local e está situada numa área de estuário, propícia para a pesca. Sua retirada implica em destruir a identificação dos residentes com o lugar da onde muitos tiram seu sustento. O projeto vem desalojando as famílias e realocando-as em espaços verticais. Essa é uma velha prática do poder público, que violentamente muda o modo em que vive as populações carentes e, quando muito, pagam uma mixaria por suas residências.
Não por acaso, os manifestantes atacavam a todo momento a figura do prefeito João da Costa. Com a possibilidade da copa do mundo, a prefeitura do Recife vem radicalizando sua política de aliança com a especulação imobiliária. É importante entendermos que a construção da Via Mangue se insere em um contexto maior. O poder público, aliado ao capital privado, pretende transformar a cidade em um canteiro de obras voltado tanto para um plano de mobilidade urbana, que privilegia o transporte privativo (o carro), quanto para um projeto de gentrificação*, espécie de higiene social da cidade. As obras da Via Mangue são emblemáticas nesse sentido, pois tem o claro objetivo em resolver os problemas de trânsito da Zona Sul recifense, área nobre da cidade.

Além disso, por se tratar de uma área de destacada beleza natural onde há resquícios dos mangues que cobriam a cidade, deverá ser utilizada para o turismo mercantil que certamente não conta com a presença daquelas famílias no local. O interesse das construtoras na área é antigo e vem recebendo atenção especial por parte da prefeitura. A aliança entre o poder publico e os urubus da construção civil parecia antever a situação de descaso para com as famílias residentes no local. Antes da própria Via Mangue, algumas obras no entorno das comunidades já estavam afetando os barracos, muitos ficaram seriamente comprometidos por conta dos impactos decorrente de tais obras. O fato das casas que já foram derrubadas (dxs moradorxs que aceitaram a transferência para os apartamentos) terem sido destruídas por trabalhadores da Queiroz Galvão ilustram bem a união entre a prefeitura e o empreendimento privado. Políticas desenvolvimentistas vem sendo marca registrada das capitais brasileiras, porém as grandes obras propagandeadas pelo Estado não dialogam e nem visam incluir socialmente as partes envolvidas, arrebentando a corda do lado mais fraco.

Entenda o caso:

A Via Mangue servirá exclusivamente para carros-passeio, será uma via expressa que custará em torno de 400 milhões de reais, mesmo valor que será empregado na construção dos corredores norte-sul e leste-oeste, ou seja, o mesmo valor para 5 km exclusivos para carros e para a construção dos dois corredores para ônibus.

Xs moradorxs que aceitaram ir para o conjunto habitacional Via Mangue haviam recebido uma inscrição da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) com um número, diziam que estxs foram cadastrados em 2007 (!), xs que não foram cadastradxs nesta época receberam recentemente uma inscrição “sutilmente” diferenciada: também havia um número, mas ao invés da sigla PCR, havia em suas casa um xis! Estxs são xs 20% que ganharam um cenário de guerra no entorno de suas casas, 80% das casas foram derrubadas (em troca do apto no Via Mangue) e para o resto está sendo oferecida a insignificante indenização de 5 mil reais.

Também é digno de nota a vergonhosa política de amedrontamento das famílias, para muitas está colocada a questão – por parte da prefeitura – como: “Ou dá ou desce”, encurraladas a aceitar qualquer proposta da administração municipal sob ameaça de se caso não aceitarem virão derrubar os barracos com uma autorização judicial. Se voltarmos mais um pouco podemos encontrar atitudes semelhantes da gestão da cidade do Recife, quando expulsaram xs ambulantes da 7 de setembro a prefeitura ameaçou quem voltasse para protestar de perder definitivamente o ponto, e mostrou para as “lideranças” uma ficha completa de todxs que ali trabalhavam (cadastradxs ou não). E por falar em lideranças, mais uma vez – como no caso da 7 de setembro – localizamos um caso de “compra” de líderes por parte do governo do PT – algo que já deveria ser encarado como praxe deste -, certa liderança é acusada de indicar “no dedo” quem vai e quem fica, foi citado inclusive o caso de gente que nunca morou na comunidade e estar agora nos apartamentos destinados a quem foi removido. Casos como esse são recorrentes, justamente pelo papel central de articulação de demandas que as lideranças tomam para si, e depois de o movimento traído e as obras iniciadas o poder de reação da população é seriamente comprometido. Ponto para a prefeitura!

Há tempos que a situação na região é crítica, o governo sempre negligenciou quanto a infraestrutura básica no local. No entanto, a solução não se dá pela retirada das famílias em troca do início das obras. As exigências da “comunidade” tem de ser incluídas no planejamento do poder público de maneira que garanta a autonomia das famílias na organização do espaço que é delas por direito.

*Valorização imobiliária com retirada de moradores tradicionais que pertencem a classes sociais menos favorecidas dos espaços público

Fonte:http://reciferesiste.org

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