quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Greve da PM - Ceará - Análise‏

“Em vão percorremos volumes,
Viajamos e nos colorimos. A hora
Pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.
Meu nome é tumulto e escreve-se na pedra”

Carlos Drummond de Andrade


Este texto é uma visão crítica de seus criadores sobre as lutas sociais em Fortaleza no período 2011-2012 com o pano de fundo do fato mais recente deste processo que é a greve dos policiais militares e bombeiros do estado do Ceará, iniciada no dia 29 de dezembro de 2011.


I- A Polícia como Braço Repressor do Estado.

Para entendermos o significado desta mobilização, é necessário resgatarmos o papel da polícia em nossa sociedade para fugirmos da pretensa superestimação da mobilização, tendo em vista que, ao findar o momento de greve, a polícia retornará a sua atividade primária que é a repressão.

A polícia é uma das armas de coerção do Estado. O Estado não é neutro, estando a serviço, como bem sabemos da classe social que detém os meios de produção, ou seja, os ricos. Assim, o aparato repressor policial garante a ordem pública, ordem esta necessária para que sejam vendidas as mercadorias, para que as pessoas se sintam confortáveis a irem trabalhar, para que não haja saqueamento nos bancos e supermercados, etc.

Resumindo, a polícia é o braço repressor do Estado à serviço dos ricos para conter os pobres, Para que estes, de forma nenhuma pratiquem atos de atentado contra o que tem “dono”, o que é “privatizado”, contra a propriedade privada. Na prática, o rico rouba o pobre através da exploração do trabalho (por exemplo, o trabalhador do centro de Fortaleza, trabalha, em média, 12 horas de domingo à domingo no final de ano e os empresários do comércio só fecharam as portas quando tiveram medo de suas mercadorias serem roubadas pelos supostos arrastões ocorridos por causa da greve dos policiais!!).

Estabelecimentos que nunca fecharam as portas, em nenhum dia do ano, se viram obrigados a fechar. Prova de que o lucro é mais importante que o empregado, da corrupção dos grandes “políticos”, dos impostos e etc, mas é acobertado pelo Estado (“Quantos Nicolaus foram para a cadeira?”). No entanto, é preciso de uma força repressora para conter o ímpeto dos trabalhadores de tomar de volta o que lhes é roubado. Isso, claro, se não partimos do ponto de vista criminalizador dos programas policiais, onde os pobres roubam por safadeza ou ímpetos naturais de selvageria e ignorância.

A formação policial reflete esta determinação geral com a pretensa defesa à “lei”. Mesma “lei” que sistematicamente tem decretado ilegal qualquer mobilização de trabalhadores no Brasil, em tempo recorde, como tem ocorrido, por exemplo, no Ceará, as ultimas movimentações foram

consideradas “ilegais”, o que são processos que normalmente demorariam meses para serem julgados e determinados.

Além destes fatores, outro que influencia no conservadorismo e reacionarismo deste segmento é o fato da proibição de, enquanto categoria, estes policiais e bombeiros fazerem manifestações, greves e etc. Com pena de punição legal e militar. Tanto é que as mulheres dos policiais militares que foram às ruas defender o salário e as condições de trabalho dos maridos.

A grande pergunta é: como é que, mesmo com estas pressões sociais, pôde a categoria dos policiais e bombeiros pode no Ceará iniciar um movimento grevista que amedrontou a burguesia, paralisou a cidade e pôs na parede um governo, que apesar das arranhuras, parecia inflexível às lutas sociais ocorridas no ano de 2011?

Para tanto precisamos 1) resgatar as lutas ocorridas em 2011 e 2) entender concretamente as necessidades dos trabalhadores militares de deflagração da greve.

II – A luta no Ceará em 2011 (“Cid ditador, respeite o morador/ respeite o professor!”)

A crise econômica mundial, os cortes públicos derivados e os gastos com a Copa do Mundo de 2014 e olimpíadas de 2016 já há bastante tempo impactam a classe trabalhadora no Ceará. Prova disto é a tentativa sistemática de retirada de direitos dos trabalhadores, da moradia e da precarização do trabalho nos setores públicos que foi colocada a cabo pelo governo Cid Gomes1.

Comunidades

A primeira luta marcante de 2011, que já vinha desde abril de 2010 foi a luta das Comunidades do Trilho quanta as tentativas de remoção impostas pelas obras do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) de Fortaleza. A obra, que faz parte do cronograma da Copa do Mundo, apresentou gritantes falhas legais em relação ao licenciamento ambiental, a rota proposta para a construção (que, milimetricamente, atinge as casas das famílias e polpa imóveis privados!) e no tocante a negociação com os trabalhadores/as das 22 comunidades afetadas que existem há quase 70 anos em torno da via férrea.

As famílias resistiam ao cadastro de desapropriação e realizaram durante o ano várias passeatas e ocupação de vias. Como resposta, o governador visitou as comunidades na calada da noite, sem avisar e com forte aparato policial, do qual se utilizou para tentar invadir as casas e intimidar as famílias à sair. Além disso, há poucas semanas atrás, aprovou uma lei na Câmara dos Deputados para a retirada das famílias a preços baixíssimos de indenização e sem garantia de realocação. O impasse continua, pois o governo ameaça iniciar as desapropriações em janeiro de 2012. As comunidades se organizaram através do MLDM – Movimento de Luta das Comunidades em Defesa da Moradia -

1 O Governador Cid Gomes é irmão de Ciro Gomes e era ligado diretamente com Tasso Jereissati e ao PSDB até a ruptura política devido ao apoio dos primeiros ao governo Lula, culminando com a quebra dos laços políticos e fundação do PSB, partido de Cid e Ciro.

que constrói a luta através de núcleos locais tentando preservar autonomia diante das tentativas de cooptação da parte do governo e da esquerda social-democrata.

Esta luta mostrou para as mobilizações na cidade e para o povo, um pouco da incapacidade do governo em abrir negociação e de sua face impositiva, que tem maioria absoluta na câmara dos deputados e que trata os trabalhadores com desdém e arrogância.

Universidade

Em meados de abril tivemos a intensificação das lutas nas três universidades estaduais – URCA, UEVA e UECE – por: 1) Contratação imediata de 300 professores; 2) Entrega de obras estruturais atrasadas em vários campi e 3) Reforma e ampliação dos campi do interior e capital. O movimento predominantemente formado por estudantes, direção dos sindicatos de professores e do Andes, buscava uma simples audiência com o governador que há seis meses vinha sendo adiada. Houveram protestos e ocupação na Assembléia Legislativa, onde governo mais uma vez respondeu com indiferença e o movimento veio a esfriar com ocupações de reitoria sem a garantia de nenhuma das pautas principais. Isso, parte pela “enrolação” do governo, parte pelo ostracismo dos setores hegemônicos do movimento estudantil e dos sindicatos dos professores e em optar pela via legal e propagandista de movimentação, que ignorou a possibilidade de construção de greve na universidade.

O que, a princípio, apareceu como algo isolado, hoje se mostra como uma marca do trato do governo Cid Gomes com as reivindicações sociais: a de que o movimento que tentar seguir os direcionamentos legais e pacíficos da máquina Estatal estaria fadado ao fracasso. A movimentação que segue exemplifica essa característica que começou a ter contornos negativos na própria população contra o Estado, incorporado na figura de Cid Gomes.

Professores

A extraordinária greve dos professores do Estado, que durou 60 dias, declarada com a pauta principal de que o governo do Estado respeitasse a Lei Nacional do Piso para o magistério e que esse piso repercutisse na carreira do professor. O governo Cid Gomes havia entrado na justiça alegando inconstitucionalidade e foi derrotado pelo Supremo. Mesmo assim, não atendeu a categoria. Em agosto, o movimento grevista teve início e entre idas e vindas, ocupou a Assembléia Legislativa por vários dias, houve também uma greve de fome iniciada por professores durante a ocupação que contou com o amplo apoio dos estudantes secundaristas universitários, pais e alunos. A esta altura a greve já havia sido deflagrada ilegal, como é de praxe, mas os professores continuaram a mobilização.

2 Tanto que foi publicado um vídeo no Youtube aonde o governador Cid Gomes negocia os terrenos das famílias com empresários dos setores da Construção Civil.

A mando do governo do estado, policiais militares reprimiram violentamente a manifestação, prendendo pessoas arbitrariamente, gerando vários feridos o que obteve ampla cobertura na mídia nacional. As mobilizações aumentaram, culminando com um ato contendo mais de 8 mil pessoas em direção ao Palácio de Iracema, sede do governo,3 que acabou sendo apenas propagandístico, pois à tarde, o Comando de Greve tinha reunião marcada com o governo, que, ironicamente, não resolveu nada.

Muitos fatores contribuíram para a derrota parcial dos professores em dezembro. Dentro eles: 1) O Sindicato (APEOC), que com base de apoio governista da CUT tentou desde o início dar fim a greve com sucessivas tentativas de golpe nas assembléias da categoria (o que gerou até um processo de desfiliação) e 2) a ilegalidade da greve se estendeu da simples multa do sindicato para ameaças dentro das escolas de demissão/corte de salários e perseguições políticas de professores e secundaristas. O golpe final sucedeu-se depois de um erro do movimento em adiar o retorno da greve para cumprir prazos legais, tempo suficiente para que a APEOC e o Governo do Estado bancasse mais de 40 ônibus e garantisse estadia em hotéis de luxo para trazer centenas de professores do interior do Estado para votarem pelo fim da greve na última assembléia ocorrida. Através da pressão, a greve, que teve concentração na capital não somente foi finalizada como a APEOC conseguiu aprovar a proposta do governo. Esta proposta consistiu em aprovar o piso apenas para os professores do nível médio (menos de 1% do total!) e a destruição da carreira dos professores de nível superior, ou seja, além da não garantia do piso, o professor passou a ganhar menos por: tempo de trabalho, mestrados, doutorados e especializações. Como saldo positivo, houve a criação da Rede de Zonais, organização de professores de base, dividida por zonas da cidade, que levou toda a greve nas costas e que permanece como foco de organização fora do sindicato.

Ficou claro que o governo Cid Gomes estava disposto à, quando o desdém não fosse o suficiente, intervir diretamente, seja com repressão física, ameaças trabalhistas e até pagando (ressuscitando práticas coronelistas) e pressionando professores do interior a votar pelo fim da greve. A população que apoiou massivamente a greve e ficou chocada com a repressão policial, viu a força repressora do governo e do Estado e a falácia da lei que mais uma vez derrotou outro movimento no cansaço. Mas, a conversa sobre o “Cid Ditador” já acontecia nas esquinas, janelas e mesas de bar...

Polícia Civil

Por fim, tivemos a mobilização da policia civil, que luta por: 1) Recuperação de 60% de defasagem salarial nos últimos anos, 2) Promoções de agentes atrasadas por mais de 10 anos 3) Garantia da estrutura básica de funcionamento, devido ao sucateamento de delegacias e viaturas e 4) garantia de exercer a função do policial civil, devido a maioria dos policiais exercerem as

3 Devido as manifestações dos professores, Cid Gomes decretou uma lei que transformou as mediações do Palácio de Iracema em Zona de Segurança Militar Permanente, com proteção pesada 24 horas.

funções de agentes carcerários. Estas reivindicações eram endossadas pelo fato do contingente e salário dos policiais civis do Ceará serem os menores do país.

O movimento iniciado em meados de julho, seguiu as determinações legais com paralisações de 70%, mas que na prática foram bem menores do que isso. O natural legalismo da categoria e as dificuldades de organização foram alguns dos motivos para isso. Visto o comum desdém do governo, os manifestantes começaram a seguir o governador aonde quer que estivesse, que respondeu em TV aberta com risos irônicos enquanto diante das câmeras a presidente do sindicato implorava por uma audiência.

Após 72 dias, o movimento também já considerado ilegal, suspende a greve, confiando na promessa oferecida pelo governo de negociação. Mais uma vez, essa negociação não existiu e não satisfeito, o governador cancelou a entrega dos salários do período da greve, deixando os policiais civis sem dinheiro no fim do ano, como castigo. O movimento que ficara bastante abalado lutou com força total após a paralisação ilegal dos policiais e dos bombeiros que na base da força e da organização garantiram suas pautas. Enquanto a greve dos policiais militares e bombeiros terminava, a da civil teve inicio e no momento em que esse texto era escrito, a categoria negociava com o governo.

Aqui, expomos as lutas ligadas diretamente ao governo do Estado, não podemos por questão de espaço, falar das inúmeras paralisações dos setores municipais, como os professores do município, dentro outros. Não falamos também da luta estudantil pelo Passe Livre, da greve dos rodoviários e nem da greve do Detran-CE, além de inúmeras outras paralisações e manifestações. Do acumulo dessas lutas, quem estava antenado e construindo estratégias de luta contra o governo do estado pode tirar as seguintes lições do período:

* Que a lei estava do lado do governo e dos ricos. E que qualquer manifestação que contrariasse tais interesses seria taxada ilegal.

* Que a diplomacia democrática não serviria para alcançar nenhum dos objetivos, tendo-se então que aceitar a ilegalidade como farsa e como condição de qualquer movimento combatível.

* Que contra o egocentrismo do governador Cid Gomes havia apenas uma arma: a força da organização impassível as falsas promessas ditas pelos representantes do governador (Cid Gomes não se envolveu pessoalmente em nenhuma das negociações).

* Que o povo em geral percebia os desmandos do governo Cid Gomes e que começara a identificar, aos poucos, nele, a razão de problemas causados pelas manifestações.

Estavam dadas então as condições para a mobilização dos policiais e bombeiros que veremos em detalhe no próximo tópico.



III – Os policiais como classe trabalhadora em luta: Questionamentos e Contradições. “Cid Ditador, a polícia já parou!”



Um dos carros-chefe na campanha de Cid Gomes à eleição do governo do Estado foi o programa “Ronda do Quarteirão”, que consistia numa pretensa policia de bairro, dita da boa vizinhança. Para tanto, foram compradas centenas de Hilux’s – carros de luxos, com valor unitário de 165 mil reais em média – montadas como viaturas de policia e aberto novos concursos públicos para policiais e técnicos. Tamanho investimento na polícia ostensiva foi uma das denuncias da policia civil quando alegava falta de recursos para a policia investigadora. Resultado: A dita Nova Policia fez a mesma coisa que a Velha, com o mesmo trato, denuncias de abuso, de passeadas com garotas de programa nos “carros de luxos” e óbvio, o mesmo caráter repressor.

Outra coisa que não mudou, foram as condições de trabalho dos policias: longas jornadas de trabalho, baixíssimos salários, blindagem precária nas viaturas, horas extras não pagas e policiais que trabalhavam durante a noite ganhando praticamente o mesmo dos que trabalhavam de dia. Estes fatores ganham maior relevância quando entendemos que, com exceção de uma pequena casta de oficiais ligados a burguesia do estado, a grande parte dos policiais advém de famílias pobres e são recrutados através de concursos públicos que reúne os trabalhadores desesperados por um emprego público, de nível médio, mesmo que precarizado e estigmatizado. São em sua maioria, trabalhadores que só contam com a venda de sua força de trabalho para sobreviver e que residem em bairros populares.

Obviamente, são funcionários públicos precarizados, o que os traz certas vantagens, o que é compensando pela disciplina militar acompanhada pela desumanização acarretada pelo seu ofício de repressão, agravada pela incapacidade legal de organização e protesto. Os policiais e bombeiros que iniciaram o processo grevista viam acompanhando – inclusive reprimindo, ironicamente! – o processo de luta contra o governo do estado. Aprenderam durante o ano qual era a linguagem que o governo entendia e com os seus companheiros da civil entenderam que não deveria ser travada uma luta legal, fadada ao fracasso. Teria que haver uma radicalização que contaria com o apoio de seus companheiros/as e de seus familiares que os ajudaram nas ocupações de quartéis.

Infelizmente, pela rapidez do processo grevista, pela incapacidade de acompanhar mais de perto os pormenores, os atores singulares internos (os ônibus estavam paralizados), não adentraremos em muitas contradições internas do movimento, que esperamos serem respondidas com o decorrer dos dias e com outras análises.Nos esforçaremos para capturar os fatos gerais.

Já em novembro, as manifestações começaram, e na mídia apareciam como isoladas. Vários policiais foram transferidos, afastados e alguns até mesmo presos antes mesmo das negociações. Houve um mês de aparente silêncio, onde se desenrolaram os capítulos finais do ano de várias lutas: moradores – ato no centro da cidade - , professores – ato contra a APEOC – e policia civil – protesto contra os cortes salariais -.

Na terceira semana de dezembro, policiais e bombeiros cercaram o governador durante inauguração de uma estação do metrô4. Os manifestantes impediram a saída do carro do governador por vários minutos e as tentativas de conversa com ele, foram respondidas com ameaças de sua parte e a já conhecida truculência de sua guarda pessoal. O acontecimento foi transmitido ao vivo pela TV, o governador conseguiu se evadir, mas não dos problemas.

Os dias que se seguiram foram de ameaças por parte dos policiais de paralisação geral. O superintendente da policia militar, ligado à Cid Gomes, disse que a greve estava fora da agenda de fim de ano, garantindo, inclusive, a presença da polícia no badalado reiveillon de Fortaleza, consagrado “como um dos maiores do país”. A esta altura, a guarda municipal e a autarquia municipal de trânsito já ameaçavam paralisar na noite de fim de ano, caso não contassem com o apoio militar.

Na quinta-feira, 29, à noite, pré véspera de reiveillon, foi deflagrada a greve em assembléia geral da categoria. Os manifestantes ocuparam a sexta companhia do quinto batalhão no bairro Antônio Bezerra, transformando em QG do movimento, as “Hilux policiais” foram levadas ao local e tanto lá quanto em outros batalhões os pneus foram secos e os policiais dissidentes impedidos de trabalhar.

A paralisação se espalhou rapidamente pelo interior, com a utilização das mesmas táticas, n a TV os manifestantes apareciam com camisas e mascaras no rosto para impedir represálias administrativas. Instaurou-se o dito “caos” que seria sentido com toda força nos dias subseqüentes. O governador estava na França, de férias e não voltou. Como fez com todos os outros movimentos, à principio quis testar sua força e em vez de abrir as negociações convocou o aparato estatal nacional que enviou reforços da guarda nacional e do exército brasileiro, para garantir a segurança dos turistas à beira-mar, lugar da festa do reiveillon. A gravidade da situação foi momentaneamente ofuscada pela euforia consumista do fim de ano, mas os policiais militares e bombeiros, mesmo com ameaças de invasão das forças armadas no QG, resistiram, recebendo donativos da população, que há essa altura já apontava, espontaneamente, o grande culpado: “Cid Ditador!”.

Dia 2 de janeiro, segunda-feira, a grande mídia e as redes sociais fizeram sua parte, sensacionalizando acontecimentos de pânico, como arrastões – Não quero deixar ninguém em pânico, mas estão acontecendo vários arrastões pela cidade! Disse o repórter na TV – assaltos, seqüestros, etc.

4Atrasado a dez anos e que ainda não começou a circular, em meio a denuncias de desvio de dinheiro público e super faturamento.

Naturalmente, a classe trabalhadora bandida, se sentiu mais livre para praticar suas expropriações, não à toa houve explosões de caixas eletrônicos no interior – em uma localidade, se chegou a roubar o fórum e roubar as armas – e assaltos reais em Fortaleza. Mais nada incomum do que, cotidianamente, é sensacionalizado pela grande mídia local. Ouviram-se boatos de grupos armados perambulando pela cidade, alguns acharam que o próprio governo os financiou, outros de que fora a polícia grevista. Provavelmente nunca saberemos. O fato é que estavam postas as condições de vitória da categoria.

A circulação de mercadorias e a circulação de trabalhadores até seus postos de trabalho ficaram comprometidas. Real ou não, o “caos” paralisou o transporte - motoristas de ônibus disseram que não iriam trafegar – fechou-se o centro comercial da cidade, estabelecimentos privados (inclusive aqueles que nunca abdicaram nem sequer de um dia de lucro, abrindo 366 dias por ano, foram obrigados a fechar as portas), postos de saúde, escolas, etc., desertificando as ruas. No dia 3, terça-feira, que deveria ser tão comercialmente cotidiana como as outras, mais parecia um domingo. O exército e a força nacional ocuparam alguns pontos da cidade, mas o pequeno contingente de cerca de 2000 homens não conseguiu suplantar o déficit de 15 mil policiais grevistas.

Isso já era demais para a reprodução do capital, do lucro dos homens de terno e gravata. Não há governo autoritário-burguês-oligárquico que resista. Na madrugada do dia 3 para o dia 4, uma comissão de assessores do governo, já que o governador continua escondido e seu paradeiro desconhecido, assinaram acordo com a categoria, garantindo a conquista das principais pautas:

* Anistia a todos os policias que participaram das manifestações desde novembro.

* 7% de aumento para a categoria

* Gratificação no valor de 850,00 para os policiais que trabalham no período noturno.

* Auxilio alimentação no valor de 10 reais diário

* Diminuição da carga horário de 48 para 40 horas semanais.

* Pagamento de horas extras que forem necessárias.

Fora a vitória mais concreta desse período de lutas em fortaleza e reuniu a experiência de todas as mobilizações do ano.

Mas e agora José? Quais as conseqüências dessa vitória para a luta de classes em Fortaleza, Ceará?

IV – O que significa o movimento dos policiais militares e bombeiros para as demais lutas em Fortaleza, Ceará?

“Uma greve armada de 5 dias conseguiu o que uma greve de 60 dias, pacifica, não conseguiu” – Entrevistado anônimo na TV local.

Figura 2 Manifestações em Atenas

Começemos pelas possíveis contradições positivas para os movimentos:

1) Descredibilização da tática legal/pacífica

Cinco dias apenas foram necessários para o governo aceitar à contra gosto as reivindicações. Não deixa de gerar revolta nos movimentos que estão a seis meses, um ano, dois anos, no impasse com o governo. É revoltante, mas também pedagógico. O balanço é que não só os movimentos, como também a população obtiveram uma maior percepção sobre a farsa da “justiça” e dos meios pacíficos de negociação. O governo Cid Gomes levou ao máximo a premissa do Estado à serviço da classe dominante, abrindo uma perspectiva de maior radicalização das ações – o que já se percebeu com a volta da policia civil, a greve agora, com 100% de adesão e ignorando qualquer processo legal – necessária a muito tempo aos movimentos combatíveis do Brasil.

2) Elevação progressiva da pauta econômica para a pauta política

Os processos de luta à princípio baseados em pautas econômicas e condições de trabalho, pela conjunção das lutas, dentre outros fatores, levou ao questionamento, em vários níveis de intensidade, a própria lógica do Estado e das leis, do parlamento, elevando à níveis políticos de contestação. Com certeza não estamos em um processo revolucionário, mas em eras de institucionalização das lutas e retorno da social-democracia, constituiu-se, à nosso ver, como aumento da consciência de classe parcial, não descartando porém, o oportunismo, por exemplo, do PSDB-CE que chegou até a publicizar o movimento dos professores na TV em busca de apoio eleitoral nas próximas eleições, limitando a riqueza do período à falta de gerência de Cid Gomes.

3) A derrota do governo como prova palpável da capacidade organizativa dos movimentos de impor sua vontade.

A vitória da curta greve dos policiais militares e bombeiros do estado nos traz à tona a reflexão pedagógica sobre a necessidade de organização e superação do legalismo que paira os

movimentos sociais hoje, a fim de que sejam conquistadas tanto as pautas econômicas como parte da consciência de classe necessária à uma superação definitiva desse Estado, dessa política e dessa sociedade.



E possíveis contradições negativas:

1) Ao fim da greve, os policiais militares voltarão a ativa, às suas funções repressivas.

Infelizmente, apesar de todo furor, ricos e pobres ainda existem e a policia volta a reprimir a classe despossuída, inclusive, aos próprios movimentos sociais dos quais a sua mobilização foi herdeira. A possibilidade que se mantenha laços comuns de luta é muito remota, devido em parte, a condição específica do trabalhador policial5. Isto é ainda mais agravado pelo extenso período de letargia política que geralmente se segue pós grandes conquistas em uma categoria.

2) O governo Cid Gomes pode mostrar-se mais endurecido com as reivindicações

A fim de manter certo ar de autoridade, o Governo deve adotar uma postura que pode vir a ser drástica para as lutas que não são de categorias trabalhistas, com menos poder de pressão, como o movimento de moradores contra as remoções da Copa do Mundo. É certo que o governo se afundará ainda mais na lama de despopularização se não procurar disfarçar seu caráter autoritário e burguês, abrindo canais de negociação.

3) As conseqüências do período de “caos”

Poderá haver a partir da sensação gerada pelo ocorrido o fortalecimento da falsa necessidade dos aparelhos repressores como a policia. Em tempos de crise e pós modernidade, vemos retornar a concepção de “homem lobo do homem”, que sem a presença do Estado seria levado a se digladiar, escondendo assim os conflitos de classe que engendram toda uma gama de falsas necessidades.

Este ano que se iniciou positivamente para a luta na cidade e no estado, infelizmente promete o acirramento das lutas existentes e o aparecimento de novas tensões na medida em que se aproxima a Copa do Mundo de 2014 e do agravamento da crise internacional com possíveis paralisações em novos setores precarizados do Estado.

5 Faz-se necessário diferenciar a idéia “polícia” do trabalhador policial. A polícia é o braço repressor do Estado, como já dito anteriormente, mas para existir, precisa necessariamente de dispêndio de força e inteligência humana. O trabalhador policial, ao encarnar a lógica do trabalho ostensivo da policia, passa por um processo de desumanização advindo da alienação causada pelo seu próprio trabalho. Não se deve ignorar, contudo, a capacidade humana de se revoltar contra as condições impostas pelo seu trabalho e até mesmo da superação de tais condições.

A mobilização dos policiais militares e bombeiros não deve ser vista sem a conjuntura que lhe antecedeu, muito menos, além de suas possibilidades potenciadoras concretas da luta de classes. Aqui já se começa a falar em impeachment do governador, esta, com certeza, não é a solução que garantirá o fim da exploração da classe trabalhadora cearense, mas pode vir a ser a pauta unificante de um possível movimento de greve geral esse ano.



Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob as circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada."

(Karl Marx 18 brumário).


Assinam essa análise de conjuntura:

Jersey Oliveira

Juliana Magalhães

Lucas Vidal

Um comentário:

  1. A classe policial fica revoltada em função, da disparidade entre o valor do seu salário e a natureza de seu trabalho, que requer grande esforço, dedicação integral, horas extras, altíssimo risco de vida (os policiais são repressores sim, mas muitos pagas este preço com sua vidas, gerando danos físicos, sociais, conflitos familiares, de uma forma muito intensa.
    Fala-se muito nos problemas e pouco sobre as soluções, por ser um tema complexo.
    Vejo como saída a diminuição da desigualdade social. A renda deve ser melhor distribuída, entre todas as classes, de trabalhadores, devendo, logicamente ser valorizado aqueles profissionais que em sua profissão, exerçam função de risco. O estado tem pagar por isso. Deveria ser o primeiro a dar exemplo.

    Parabéns pelo artigo

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