sexta-feira, 17 de junho de 2011

Relato de uma participante da Marcha das Vadias – Recife


 
No último Sábado, dia 11 de junho, aconteceu, no Recife, a terceira edição nacional da “Marcha das Vadias” – ou “SlutWalk”, no nome original.Essa série de manifestações teve início no Canadá, após um policial ter afirmado, numa palestra sobre segurança na Universidade de York, que se as mulheres quisessem evitar o estupro ou outros tipos de assédio sexual, deveriam parar de se vestir como “Sluts” – em português: “vadias”, “vagabundas”, “raparigas”.


A reação em Toronto foi tão forte que levou mais de 3.000 pessoas às ruas, tendo grande repercussão e aderência pelo mundo afora, passando por cidades como Amsterdã, Chicago, Seattle, Buenos Aires, São Paulo e Brasília – entre outras.

A Marcha das Vadias – Recife contou com cerca de 400 pessoas – e não 200, como a polícia insiste em divulgar –, que começaram a se concentrar na Praça do Derby a partir das 15hs.
Timidamente, os manifestantes que chegavam davam início à produção de cartazes. Alguns outros, que já haviam confeccionado suas próprias placas, começaram a caracterizar o ambiente, colando-as nas pilastras. À medida que a concentração enchia com mais pessoas, o evento tomava um pouco mais de corpo. De um lado, a intervenção das “Loucas de Pedra Lilás” ( http://www.loucas.org.br/), que cantavam: “Vamos às ruas. Se quiser, nuas”, do outro, uma avalanche de fotógrafos, que nada deixava passar imune.

Por volta das 16h30 as pessoas começaram a se descolar para a Av. Conde da Boa Vista, em direção ao Recife Antigo. Prontamente, uma patrulha com quatro policiais em motos tomou a frente da Marcha. Patrulha esta que, ironicamente, foi solicitada por algumas (poucas) pessoas que estavam construindo o ato.
Pessoas estas que, talvez, não compreendam muito bem como a repressão estatal – entre outras formas, representada também pela polícia – contribui extraordinariamente para a opressão e atua, por essência, na manutenção do status quo dominante, qual seja, o machista, racista, homofóbico, etc. Este mesmo, contra o qual nos propusemos a lutar.

De pronto, nosso problema com a polícia começou assim que cruzamos o canal da Av. Agamenon Magalhães e entramos na Av. Conde da Boa Vista: queriam que ocupássemos apenas a faixa para os ônibus. Algumas pessoas tentaram argumentar, mas o único argumento que ouviram de volta foram os roncos das motos partindo para cima dos manifestantes, tentando contê-los.
Sem tentar diálogo com a polícia, algumas pessoas que estavam na linha de frente do protesto começaram a ocupar as duas faixas (a de carros e a de ônibus) e incentivar todxs xs outrxs a fazerem o mesmo. As motos avançaram, nervosas, mas não conseguiram conter a manifestação, que ocupou e fechou uma mão inteira da Conde da Boa Vista.

O protesto seguiu com palavras de ordem e gritos, que expressavam claramente o desejo de igualdade e respeito que o feminismo tanto almeja, tais como “A nossa luta é todo dia, contra o machismo, racismo e homofobia” ou ainda “A nossa luta é por respeito, mulher não é só bunda e peito”. A todas as mulheres que estavam paradas nas calçadas, ou nos ônibus engarrafados, xs manifestantes gritavam “Você aí parada também é humilhada” seguido de “Vem, vem, vem pra luta, vem – contra o machismo!”. Repentinamente, quando nossas vozes ecoavam mais alto e toda timidez inicial já havia sido superada e esquecida, o Estado, mais uma vez, fez questão de tentar nos lembrar “qual é o nosso lugar”.
E Ali estavam seus representantes, os mesmos que culpabilizam e responsabilizam “a vítima”  
pelo crime de estupro, e que, no final das contas, deram início a toda essa manifestação lá em Toronto. Os mesmos que nos humilham, que nos despem e nos agridem, abusando de seu poder, para depois saírem impunes (Caso da Escrivã – http://www.pannunzio.com.br/archives/9018. Que nos prendem e nos criminalizam em casos de aborto, já que o Estado tomou das mulheres a prerrogativa de escolher sobre o seu próprio destino, de escolher quando temos ou não o direito de optar pela interrupção da gravidez. Os mesmos que contribuem para a exploração sexual infanto-juvenil, seja através da impunidade, seja participando ativamente da rede de exploração.

Esses mesmos representantes do Estado estavam lá, ligando suas sirenes todas de uma só vez – e, a essa altura, além das quatro motos iniciais, já haviam acionado uma viatura –, numa tentativa clara de boicote e tolhimento à Marcha, que teve que gritar ainda mais alto para ser ouvida.
Neste ponto, alguns manifestantes, cansadxs nas inúmeras tentativas de diálogo com a polícia, tentaram outras formas de ação. Alguns começaram a imitar o barulho das sirenes, depois palavras direcionadas à polícia – “Polícia pra ninguém, o povo/a mulher é refém!” e “Polícia facista!” – foram entoadas, transferindo momentaneamente, o foco da manifestação.

Um pouco depois do Shopping Boa Vista, o protesto parou num cruzamento e as pessoas sentaram no chão. As palavras de ordem e os gritos continuaram, desta vez com “Se a sirene não abaixar o Recife vai parar”. Alguns policiais tentaram, novamente, avançar sobre os manifestantes com as motos. Um dos participantes do protesto teve sua bicicleta imprensada. Dois policiais abriram maletas e começaram a exibir ameaçadoramente seu conteúdo – sprays de pimenta e bombas de gás – depois que um dos companheiros acendeu um sinalizador vermelho. Os que faziam parte ato começaram a ocupar as duas vias (mão e contramão), bloqueando completamente a Avenida.”

A Marcha culminou na Praça da Independência (mais conhecida como Praça do Diário), tendo seu roteiro original, que ia até o Recife Antigo, modificado estrategicamente. Xs manifestantes perceberam que o Bairro do Recife é um local com pouca visibilidade, com poucos transeuntes, ao contrário da Praça em questão, que fica num local central e amplamente movimentado.
Ao pararmos na praça, a primeira ação dos policiais foi a tentativa absurda de nos impedir de permanecer ali, naquele local “público”, tolhendo, mais uma vez, nossa “liberdade de expressão” e desrespeitando nosso “direito à livre reunião” – assegurados, inclusive, pela Constituição Federal. Muitas pessoas, entre elas membros da imprensa coorporativa, foram pressionadas de forma truculenta pela polícia a interromper as filmagens e os registros do que estava ocorrendo.
Um dos protestantes que tentou conversar com os policiais foi agredido com palavras homofóbicas pelo “comandante” da operação: “Saia daqui que eu não tô falando com você, nem de frango eu gosto”.
Após essa confusão, o ato se encerrou com uma roda de debates e de troca de experiências, que terminou com uma rápida e forte chuva, a qual dispersou os manifestantes.

O combate ao sexismo deve ser geral, e é idôneo àqueles que lutam pela libertação e emancipação dos povos de todas as opressões. Entretanto, por mais pioneiro e importante que tenha sido o ato, é necessário lembrar – sobretudo num estado como Pernambuco, há anos campeão em índices de feminicídio – que as camadas mais brutalmente atingidas com a violência sexista são as mais baixas, a qual este ato, elitizado desde sua concepção, não conseguiu abarcar.

Que este ato pontual seja apenas um começo. Que sirva de inspiração e contribua para o começo da construção de uma cultura de rebelião, uma cultura de inquietação e indignação. Uma cultura de ações. Diretas, concretas, contra todas as opressões em todas as escalas.
O machismo heterossexual é diário, é cotidiano, e é assim que precisamos combatê-lo, diária e cotidianamente, em todas as suas roupagens, em todos os seus aspectos, em todos os ambientes. Para isso, entretanto, precisamos primeiramente nos libertar para posteriormente lutar pela nossa libertação coletiva, coletivamente.

Vaginas livres, corações rebeldes.
Vamos em frente!

Fonte:http://reciferesiste.wordpress.com

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