No final de Maio, cansados de ficarem sentados na frente de um computador comentando os abusos da prefeita Micarla de Sousa, foi marcado quase que aleatório um dia: O 25 de Maio. Nessa data haviam cerca de 14 categorias em greve.

A população que já vinha se cansando pelos buracos da cidade, alagamentos, serviços básicos privatizados, assediados com propagandas abusivas da prefeitura, agora tinha seus principais serviços públicos paralisados (apesar de que a maioria era de responsabilidade estadual). Era uma questão de honra a população sair às ruas. Então, na data marcada, todos se encontraram em um dos principais cruzamentos da cidade no horário de pico noturno. Foi um dos momentos mais inusitados de todos esses eventos: juventudes de partidos de esquerda, direita e centro, sindicalistas, estudantes, anarquistas, apartidários, pessoas sem nenhuma experiência de militância, trabalhadores autônomos, a população em geral se encontrando em um mesmo lugar, lutando contra os desmandos da prefeitura. Participaram da manifestação, mais de 2 mil pessoas, que para uma população de 800 mil habitantes é um evento raríssimo.

No início o clima foi bastante estranho, devido a grande pluralidade dos grupos participantes, formaram-se pequenos blocos. Mas nada atrapalhou o ato que durou cerca de 4 horas percorrendo 4 das principais avenidas de Natal, incendiando pneus e derrubando um outdoor com publicidade da prefeitura, onde constava que 98% da população estava satisfeita com o serviço de saúde. Todo o ato foi conduzido por umas 4 plenárias que foram feitas no meio da rua mesmo, decidindo coisas básicas como, pra que lado ir, e o que fazer. Ao final da manifestação uma plenária final marcou um segundo ato para a semana seguinte, no dia 1º de Junho.

O dia 1º de junho seguiu mais ou menos na mesma linha do 25 de Maio, sendo que dessa vez foi tomada a BR-101. O número de participantes foi ainda maior que no ato anterior. Decidiu-se não usar pneus queimados nem fazer pichações pelo caminho, fato esse que surpreendeu a repressão que ficou completamente sem argumentos para agir. Na metade do percurso alguns policiais atacaram a multidão com spray de pimenta, mas a marcha seguiu em frente sem responder à agressão. Ao fim do ato, foi combinado o próximo momento para o dia 7 de Junho, e todos voltaram pra casa em um roletaço coletivo, que teve apoio dos motoristas de ônibus, que recentemente estiveram em greve.

O dia 7 de Junho foi marcado estrategicamente. Seria uma audiência às escuras na Câmara Municipal de Natal para discutir sobre os serviços de saúde privatizados. Apesar da forte chuva que caiu na manhã do dia 7, os manifestantes marcharam até a prefeitura, dançaram ciranda durante uns 10 minutos e seguiram em direção à Câmara Municipal de Natal, onde ocuparam o plenário completamente molhados de chuva, puxando palavras de ordem e expondo cartazes e faixas.

Sem nenhum planejamento, no improviso completo, após a audiência pública ter sido cancelada, os manifestantes decidiram fazer a plenária do movimento dentro do pátio da Câmara. Entre as propostas que surgiram no momento estava a de ocupar a Câmara Municipal, proposta esta que foi aceita facilmente como consenso por todos que estavam presente. Em minutos já se espalhavam barracas no pátio da Casa. Enquanto isso, algumas pessoas começaram a anotar algumas reinvidicações, foi quando surgiu a primeira carta-aberta do movimento #foramicarla.

Ainda no primeiro dia, foram decididos os pontos da pauta de reivindicação a ser negociada pera a desocupação da Câmara Municipal de Natal - CMN:

1) nomeação de um vereador da oposição para a presidência ou relatoria da Comissão Especial de Inquérito ? CEI - que investigaria possíveis irregularidades nos contratos de aluguéis da prefeitura;
2) realização de uma audiência pública popular, transmitida ao vivo pela TV Câmara, para que se discutissem as irregularidades nos aluguéis e o caos administrativo da cidade.
Ocorre que, dois dias após a ocupação,o o Presidente da Câmara, vereador Edivan Martins (sem partido) numa manobra que visava acabar com o protesto, extinguiu a ?CEI dos Aluguéis?, achando que com isso também estava extinguindo a pauta de reivindicações.

Contudo, após essa manobra, o movimento tomou dimensões cada vez maiores, com adesão de mais gente a cada dia que passava. Somente após 11 dias de ocupação e lutas jurídicas, entre ameaças policiais, infiltrados plantando provas falsas para criminalizar o movimento e todo o tipo de ataques pessoais e coletivos, é que os ocupantes levantaram acampamento, vendo cumprida cem por cento de sua pauta de reivindicações, que já era maior e mais consistente que no primeiro dia de acampamento.

Como condição para a desocupação foi assinado um acordo assinado entre eles e os 21 vereadores, mediado pela OAB e acompanhado pelo Ministério Público, onde ficou acertado que: 1) Seria criada uma nova CEI, não mais para investigar os aluguéis mas todos os contratos administrativos da Prefeitura, presidida por um vereador da oposição, sem a participação de parlamentares que possuam contratos com a Prefeitura diretamente, ou através de alguma empresa; 2) a realização da Audiência Pública com o tema anteriormente previsto.

A desocupação aconteceu de forma voluntária, no mesmo momento da assinatura do acordo e em clima de vitória. Na sequência, foi marcado um ato em frente à CMN no dia da abertura da CEI. A bancada governista tentou, mais uma vez, dar um golpe, propondo outras três CEI?s. Como o regimento da casa só permite a abertura de duas ao mesmo tempo a CEI dos Contratos seria inviabilizada. Os manifestantes fizeram pressão e acuaram a bancada governista que não conseguiu impedir a instalação da CEI.
A TV Ponta Negra, afiliada ao SBT em Natal, é administrada pela prefeita, que a herdou de seu pai , já falecido, que recebeu a concessão pública de presente da ditadura após ter sido relator de uma CPI criada a fim de investigar o caso de atentado a bomba no Riocentro, em 1º de maio de 1981, mas cujo objetivo era, na verdade, investigar coisa nenhuma sobre este fato. Empoderada nessa concessão pública, a TV da prefeita não poupa ataques aos manifestantes, são chamados, ao vivo, de baderneiros e vagabundos.

Como o movimento se organiza de forma horizontal e autogestionada, sem nenhum tipo de liderança ou diretoria, a prefeitura ficou confusa sobre como, ou quem, atacar. Em meio às sabotagens, foram desmascarados fakes de internet, notícias falsas, ameaças via e-mail e telefonemas e todo tipo de perseguição, quase sempre tentando identificar ou indicar suposto líder do movimento.

A prefeita também já acusou o movimento de ser golpista, supondo ser uma campanha eleitoral precipitada (devido à participação do PT no movimento, seu principal rival em 2008). Porém o PT não é o único partido envolvido ativamente e sua participação não é mais importante que a de anarquistas e grupos sem nenhum vínculo partidário e movimentos sociais.

Atualmente, mesmo não estando mais acampados, os manifestantes seguem se organizando pela internet, realizando plenárias e atos de rua com a frequência de pelo um por semana. As comissões surgidas no acampamento também estão em pleno vigor e a cada dia surgem mais sites, blogs, e perfis nas redes sociais dispostos a cobrir, apoiar e divulgar o #foramicarla.

Fonte:http://prod.midiaindependente.org/pt/blue/2011/06/493406.shtml