Boa noite. Eu queria começar agradecendo os jovens colegas do curso de história por me convidarem a participar deste seminário altamente oportuno. Eu fiquei extremamente motivado e feliz por se colocar este tema em debate. É um tema pouco discutido no Brasil em geral e, inclusive, na nossa Universidade. Nós estamos começando a criar, aqui na USP, uma Incubadora de Cooperativas Populares que pretende subsidiar a formação de empresas autogeridas. E a Incubadora só terá algum êxito, na medida em que ela pretende dar uma oportunidade para a população mais pobre, mais excluída da nossa cidade, se organizar sob a forma cooperativa, se efetivamente partes da universidade se motivarem e se mobilizarem para participar desse esforço. Desse ponto de vista prático, eu acho esse debate altamente oportuno.
O tema que me foi proposto, e que me é extremamente caro, é ?Autogestão e Socialismo?. É um tema antigo, mas nem por isso ele está esgotado: ele se repõe na medida em que a história vai se desenrolando. E na medida em que diferentes experimentos socialistas vêm sendo feitos e eventualmente vão fracassando, a questão da autogestão e do socialismo se recolocam sob formas e cores muito diferentes. Eu vou aproveitar essa oportunidade para apresentar a vocês oito hipóteses sobre a implantação do socialismo via autogestão. Há uma tradição na esquerda de se fazer teses: sete teses sobre o subdesenvolvimento, cinco teses erradas sobre qualquer coisa. Aprendemos a ser mais modestos. Eu não vou apresentar teses, vou apresentar hipóteses. A história é probabilística, certas coisas podem vir a acontecer ou não, eu estou propondo hipóteses que poderão ser verdadeiras ou não, dependendo de nós próprios. 
A primeira hipótese é que o projeto socialista não se limita à economia. Mas no que se refere à economia não há dúvida que a autogestão é a forma de organização gestada pela experiência histórica que melhor permite alcançar os valores do socialismo, ou seja, igualdade e democracia. Vejam: não dá para reduzir o projeto socialista apenas a uma forma de organização da economia, por mais importante que ela seja. A proposta do socialismo vai além da economia: alcança a cultura, a sociabilidade, é um projeto de reorganização de toda a sociedade humana, da infra à superestrutura, e portanto não deve ser reduzida a uma proposta econômica, como muitas vezes se faz. Separando, dentro do projeto socialista a questão econômica, ou seja, como organizar de uma forma democrática e igualitária a produção e o consumo, ou a produção e a distribuição ? distribuição esta que permite o consumo ? eu diria que de todas as formas imaginadas, a autogestão é a melhor do ponto de vista da experiência histórica. O que eu quero dizer com isso é que a autogestão não foi inventada por nenhum teórico. Ela não foi alguma coisa que alguém inventou para depois ser colocada em prática. Ela é resultado de uma experiência de um século e meio de tentativas de organização coletivistas, cooperativas e igualitárias de produção. Experiências extremamente diferenciadas: desde Robert Owen na Inglaterra. E dessa experiência se acabou criando alguns princípios, são os princípios que dão certo, princípios que permitem que, dentro do capitalismo, formas autogestionárias se viabilizem por algum tempo. Nós podemos, usando a imaginação, criar muitas maneiras de organizar a economia que, de alguma forma, realizem os valores do socialismo. Eu diria que a autogestão histórica, a autogestão que nos é oferecida pela experiência histórica é, provavelmente, a melhor forma de chegar à mais completa igualdade possível dentro da cultura que temos hoje, entre os participantes da produção e da distribuição.
Eu estou dando muita importância à questão histórica. Eu realmente não tenho nenhuma vocação para socialista utópico, ou seja, me parece fácil demais inventar esquemas. Não que não seja útil fazer, mas eu acho que mais importante do que inventar esquemas, é pesquisar a realidade histórica e ver o que ela nos oferece como pista, como indicador do que se poderia realizar enquanto uma economia socialista mesmo dentro da economia de mercado capitalista.
A história nos dá, e essa é exatamente a segunda hipótese, uma série de experimentos que deram certo. Eu vou esquecer um monte de experimentos que deram errado. Quais são esses, os que deram certo? Empresas capitalistas falidas ou em processo de falir, são assumidas pelos seus trabalhadores que as reabilitam e desenvolvem, e acabam dando lugar a cooperativas de produção, ou cooperativas de trabalhadores, que funcionam relativamente bem durante anos, décadas, às vezes várias gerações. Depois que eu escrevi esse texto, ontem à noite, eu peguei um autor, do século XIX que eu sabia ser favorável a isso, um autor muito importante, John Stuart Mill. Ele escreveu um livro chamado Princípios de economia política e na sexta edição, de 1865, ele faz um longo relato sobre experiências cooperativistas na França e na Inglaterra, e, com muito entusiasmo, ele mostra como trabalhadores são capazes de reabilitar empresas que, na mão dos capitalistas, acabaram falindo. Essa mesma experiência na Europa do século XIX se repete no século XX. Vou lembrar um caso que ficou mundialmente famoso: a fábrica de relógios Lip, em Besançon, na França. A fábrica foi ocupada pelos seus trabalhadores porque iria ser fechada e funcionou meio na marra durante meses e meses enquanto se mobilizava toda a cidade de Besançon, o movimento operário francês e internacional, tentando viabilizar a passagem do maquinário e do equipamento aos trabalhadores da Lip. Essa luta durou vários anos e foi tão entusiasmante, na época, que cerca de 700 empresas foram tomadas pelos seus trabalhadores por efeito do exemplo dos trabalhadores da Lip. Nós temos no Brasil hoje, organizadas na Associação Nacional dos Trabalhadores de Empresas Autogeridas (ANTEAG), cerca de 41 empresas. Há mais empresas autogeridas no Brasil, passando pela mesma experiência nesses anos 90, mas 41 delas são bem conhecidas porque fazem parte de uma associação e são empresas onde trabalham cerca de dez mil pessoas.
O segundo tipo de experiência que eu diria ser muito exitosa é das cooperativas agrícolas que decorrem de lutas pela reforma agrária, na América Latina inteira. Também em outros países há lutas de trabalhadores que ocupam áreas de latifúndios, geralmente áreas não utilizadas, áreas improdutivas ou pouco utilizadas, e procuram obter acesso à propriedade dessas áreas para poder cultivá-las. Nós temos atualmente no Brasil o processo do MST. Pois bem, o MST ao conseguir essas áreas, ao conseguir que se realize alguma reforma agrária no nosso país, ao transformar acampamentos em assentamentos, organiza cooperativas. E isso não só por valores socialistas, mas por razões práticas também. Acredito que as duas coisas vão juntas. A CONCRAB, Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil, reúne aproximadamente cem mil famílias. Portanto é uma massa humana ponderável. Tem todo tipo de cooperativa, não há um modelo único. Há uma certa dinâmica em que se aprende a trabalhar junto, e as famílias, muitas vezes, se transferem de um tipo de cooperativa a outro. Eu assisti um vídeo interessantíssimo de uma experiência em Honduras. Uma área conquistada pelos camponeses foi transformada numa grande agroindústria de óleo de palma. É uma cooperativa que reúne cerca de cinco mil trabalhadores que plantam palma, produzem o óleo e exportam esse óleo. Conseguiram com isso uma condição econômica até bastante interessante. Deve haver outros exemplos em Costa Rica, Honduras dos quais não tenho notícias.
Um terceiro exemplo são os kibutzim em Israel. Em Israel, jovens vindos da Europa Oriental acabaram se transformando em pioneiros que ocuparam o solo e tentaram praticar agricultura e reinventaram a cooperativa. Houve muitas tentativas de como fazer isso coletivamente e sobreviver em condições extremamente difíceis. Estamos falando em torno de 1910, e o que eles acabaram acertando foram formas extremamente coletivistas de produção e consumo, são cooperativas integrais. Tem vários tipos, não tem só kibutzim, tem também moshavim que são cooperativas onde há mais produção individual combinado com vendas e compras em comum. Mas, seja como for, esse movimento hoje reúne mais de 120 mil pessoas num país de 5 milhões de habitantes.
Um outro exemplo é o grande complexo cooperativo de Mondragón. Essa experiência acontece numa cidade do país Basco, Espanha, desde 1952. Vejam que são experiências de longo período, essa de Mondragón tem 46 anos, e tem tido muito êxito econômico. São centenas de cooperativas interligadas e complementares, e se autodenominam como um ?complexo cooperativo? organizado ao redor de uma politécnica e de um banco, o Banco Laboral. Algumas são cooperativas de produção, outras de comercialização, algumas são multinacionais que empregam, segundo os últimos dados que obtive, cerca de 35 mil pessoas.
E, finalmente, há um grande número de cooperativas agrícolas, inclusive em nosso país. Essa é a forma mais exitosa de autogestão, no mundo, a cooperação agrícola, extremamente importante no Brasil, na Argentina, em outros países da América Latina e sobretudo na Europa. Existe, também, autogestão em serviços. A experiência de escolas autogeridas, e de hospitais e outros equipamentos de saúde autogeridos são extremamente importantes e estão ressurgindo atualmente com muito vigor.
Eu acho que esses exemplos, que são apenas os que eu conheço, dão uma idéia de que há uma prática contínua de autogestão desde há um século e meio, no mínimo. Você pode começar a contar da famosa cooperativa de Rochdalle, que é de 1844, mas é perfeitamenete possível começar a contar antes, com as cooperativas formadas por inspiração de Robert Owen na década de 20 do século passado. Portanto, a segunda hipótese é essa: há uma série de experiências dentro do capitalismo, em função das contradições do capitalismo: são economias não capitalistas, em termos de valores, anti-capitalistas. Uma economia onde não há capitalistas, só há trabalhadores, onde os trabalhadores associados são os seus empresários, é o trabalhador sendo não apenas operário coletivo mas também empresário coletivo e que consegue, de uma forma democrática, gerir as suas unidades de produção e permitir que elas se ampliem, progridam, cresçam e proporcionem resultados econômicos algumas vezes bastante bons, outras vezes não bons e que fecham, como qualquer outra empresa.
A terceira hipótese é a seguinte: os casos em que a autogestão vingou do ponto de vista tanto econômico como social e político, foram os casos em que se formou uma forte, embora pequena, economia auto-suficiente, como em Mondragón e nos kibutzim. Toda experiência mostra que a pequena cooperativa isolada é algo muito frágil, e tem enorme probabilidade de fracassar. Ela exige uma abnegação, um sacrifício, um desprendimento que não é possível supor, por muito tempo, por todos. Nós temos, o tempo todo, experiências de comunidades de cinco, dez, quinze pessoas, que formam um cooperativa que impõe sacrifícios imensos e que demonstram muita força. Isso não importa, porque não posso generalizar, não posso supor que o conjunto dos trabalhadores se imponha tudo isso. Se, em algum momento, a economia autogestionária tiver que ser uma alternativa viável e competitiva com o capitalismo, ela terá que ter vigor econômico e terá que oferecer ao trabalhador condições, no mínimo, comparáveis às que ele tem como trabalhador assalariado numa empresa capitalista.
Essa é uma terceira hipótese e eu não quero ser mal entendido: isso não significa que se deva menosprezar essas pequenas iniciativas. Nós temos em São Paulo, em Santa Maria ? estou falando de lugares que visitei ? muitas pequenas cooperativas lutando bravamente para sobreviver. O que a minha hipótese diz é que ou nós ajudamos essas cooperativas a saírem dessa situação muito rapidamente, para elas se unirem, se fortalecerem, se robustecerem economicamente ou elas vão, evidentemente, fracassar.
A quarta hipótese á a seguinte: a autogestão deve ser implantada através da formação de comunidades inicialmente isoladas. A visão tradicional era que os socialistas conquistariam o poder do Estado, expropriariam os capitalistas e entregariam as empresas em autogestão aos trabalhadores. Entre numerosas revoluções que expropriaram os meios de produção uma única seguiu esse enredo: a iugoslava de Tito. A experiência foi algo prejudicada pelo monopólio do poder exercido pela Liga dos Comunistas. Mas o pior foi que as empresas autogestionárias iugoslavas não instauraram relações de igualdade e fraternidade entre elas e entre as nacionalidades que formavam o país. Após a morte de Tito, a federação se desfez em meio a uma forte crise econômica e ferozes lutas inter-étnicas.
Essa hipótese é a mais controvertida, politicamente falando. Ela diz, em última análise, que a tomada do poder, por trabalhadores ? coisa que aconteceu numerosíssimas vezes nesse século, a partir da Revolução de Outubro ? em geral não leva à autogestão, mesmo quando está no programa. Não levou na Rússia, não levou na Polônia, por exemplo. Algumas vezes são criadas entidades com o nome ?cooperativas? mas não são, autenticamente, democráticas, livres e autogestionárias. Houve uma experiência importante: na Iugoslávia. Efetivamente os meios de produção foram entregues a trabalhadores, numa economia de mercado socialista. Havia competição entre essas empresas, e a economia cresceu. Foi uma experiência longa, ela começou em 1950, aproximadamente e foi até a década de 90. Não foi uma coisa rápida.
A experiência iugoslava é exceção, não é regra. E ela foi prejudicada pelo fato de não haver democracia no país. A Iugoslávia, de todos aqueles países, era o mais livre, comparativamente falando. Havia pouca perseguição, havia bastante liberdade de crítica, mas jamais se fez uma eleição com mais de um partido. Consequentemente essa experiência importante ? não estou negando a sua importância ? foi de alguma maneira travada pela ausência de alternativas.
Daí vem a minha quinta hipótese: a experiência da Iugoslávia foi um malogro. Digo malogro porque no fim o país explodiu numa guerra civil trágica, com enormes genocídios, como todos vocês sabem. Se depois de quarenta anos na tentativa de criar uma sociedade socialista se acaba assim, não há outro qualificativo além de ?malogro?. O malogro de experiências como a iugoslava e o êxito relativo de experiências como as acima relatadas indicam que o desenvolvimento da autogestão não pode se dar de cima para baixo, por iniciativa do poder estatal. Esse desenvolvimento tem de se dar por um processo de livre aprendizado, em que cada autogestor tenha a possibilidade de abandonar a experiência e se inserir em outro modo de produção.
Deste modo, não acredito no socialismo que começa com uma conquista de poder por medidas de força política, tentando impor aos trabalhadores e aos cidadãos uma nova forma de se relacionar. A essência da idéia socialista exige a sua espontaneidade, exige adesão voluntária. E adesão só é voluntária se você pode desfazê-la. Senão vira prisão. Você adere, mas depois não pode desistir. Assim como o capitalismo é capaz de sobreviver tolerando experiências socialistas em seu seio, o socialismo tem que ser igual! No mínimo tem que ser tão liberal e tão robusto a ponto de agüentar a competição com outros modos de produção. E não proibi-los! Eu estou convencido que a autenticidade das cooperativas, a autenticidade das experiências autogestionárias provêm dessa absoluta liberdade de opção que se dá a todos eles.
Por uma questão de honestidade intelectual, devo contar a vocês como cheguei a essa hipótese: eu estava num kibutz em Israel formado por brasileiros. Foi uma condição fundamental porque eles ainda falam português, digo, a minha geração, os velhinhos. O kibutz já estava sendo dirigido pelos filhos e os netos estavam voltando do exército. Eu perguntei a eles ao que atribuíam o êxito não só daquele kibutz, mas de todo o movimento kibutziano. Houve mil respostas, entre elas o nacionalismo sionista, claro. Mas a resposta que mais me convenceu foi quando alguém falou: ?A qualquer hora você pode pedir o seu desligamento, receber uma certa quantidade de dinheiro e tentar a sua vida no mundo capitalista?. O fato da porta estar sempre aberta dá, ao kibutz, uma qualidade essencial. Se quisermos, um dia, chegar ao socialismo, terá de ser através de profunda convicção, e essa convicção terá de ser livre, senão não é convicção: é coação.
Sexta hipótese: o desenvolvimento da autogestão equivale à transição ao socialismo no terreno da produção e distribuição. É inútil especular a respeito de como a economia socialista irá se reproduzir se um dia ela for o modo de produção dominante, mas parece-me provável que ao lado dela haverá, sempre, modos alternativos de produção. Pelo menos enquanto a procura do novo e o anseio de volta ao passado forem comportamentos humanos freqüentes. O que importa é que o socialismo não pode, de modo algum, proibir outros modos de produção, inclusive o capitalismo, sem perder a sua essência libertadora. Essa essência libertadora, obviamente, exclui a escravidão.
Com essa hipótese, eu pretendo dizer o seguinte: o capitalismo está cheio de contradições, sendo o desemprego e a exclusão social, provavelmente, as mais importantes delas. É dessas contradições, do desemprego e da exclusão social, que a autogestão se alimenta. O que dá um paralelismo interessante com a própria história do capitalismo. O capitalismo nasce com a exclusão social em massa praticada pelo regime anterior ao capitalismo. O capitalismo nasce como uma atividade clandestina fora das cidades, vocês são alunos de história e devem saber disso. Ele se nutre e se desenvolve na medida em que rompe com as regras da exclusividade, do preço justo, das corporações e assim por diante. Ele vai, clandestinamente, criando uma economia alternativa à economia oficial, que predomina nas cidades. Até o momento em que essa economia alternativa torna-se, na Inglaterra, mais forte e passa a ser o modo de produção dominante. Não estou dizendo que o caminho para o socialismo será igual, não creio que seja igual. Mas tem esse elemento comum.
Nesta quadra da história do capitalismo, no mundo inteiro e no Brasil também, os jovens não têm perspectiva nenhuma a não ser o desemprego, ou a de ficar se educando durante grande parte da vida para um trabalho que, talvez, jamais surja. E os velhos então? No nosso país uma pessoa com mais de quarenta anos que perde o emprego, e são muitos que perdem, tem certeza que não vai conseguir outro. Porque as empresas preferem e podem escolher pessoas mais jovens. Esse material humano desperdiçado é, na realidade, o que nos permite ter esperança no surgimento de uma economia alternativa. É óbvio para mim que a autogestão não é meramente um remédio para o desemprego. É muito mais do que isso. Mas para que ela seja mais do que isso, tem que começar a ser um bom remédio para essa enorme contradição social que o capitalismo não consegue superar. Se nós, nos diferentes países, conseguirmos, em resposta ao desemprego e à exclusão social, construir empresas tecnologicamente avançadas de grande porte, democraticamente geridas e que igualizam, na medida do possível, todos os seus participantes, ao lado de cooperativas de consumo, de produção, de serviços, tendo toda uma estrutura político cultural ao seu lado, aí sim falar de transição ao socialismo deixa de ser meramente uma esperança.
Finalmente, a sétima hipótese: o desenvolvimento da autogestão como modo de produção alternativo e competidor no seio do capitalismo não estará desligado das demais lutas dos trabalhadores. Lutas por melhores condições e mais direitos nas empresas capitalistas, para a extensão da democracia às demais instituições públicas ? escolas, hospitais, serviços públicos, etc. ? pelo direito de consumidores e inclusive pela eleição de governos e maiorias parlamentares representativas de trabalhadores. Mas o modo socialista de produção, como equivalente à autogestão, não se tornará dominante por uma vitória política dos trabalhadores, porque a gestão da produção e distribuição está se tornando cada vez mais complexa em função do desenvolvimento de técnicas com elevado teor científico. É provável que a gestão torne-se cada vez mais participativa nas próprias empresas capitalistas em conseqüência dessa complexidade.
Nós temos que parar de apostar apenas na luta política, por mais que ela seja importante. Eleições para o executivo, criação de maiorias parlamentares, avanço dos direitos humanos, dos direitos dos trabalhadores, do direito dos consumidores, e mil outras lutas políticas são passos igualmente importantes se um dia quisermos um outro tipo de sociedade. Mas isso tem que andar paralelo com a autogestão. Não se pode condicionar a autogestão à vitória política. E eu tenho um argumento a mais: se criarmos uma autogestão protegida pelo Estado ela jamais será competitiva e não será eficiente. Na primeira derrota política ela afunda. Eu prefiro que as cooperativas criadas pela gente sejam realmente capazes de competir em igualdade de condições com as outras empresas convencionais.
Nessa hipótese eu queria tratar da concatenação, da ligação entre a luta política e a luta econômica. E há uma segunda parte dela, que diz o seguinte: com a terceira revolução industrial, há nas empresas capitalistas mais progressistas uma redução das hierarquias, uma redução do autoritarismo capitalista na própria empresa e um aumento da responsabilidade e autonomia dos trabalhadores de linha. Isso se sabe, isso é conhecido e pode, por hipótese, lembrem-se, indicar uma mudança estrutural na grande empresa capitalista.
Se for verdade que as novas forças produtivas desenvolvidas na revolução microeletrônica exijam maior participação e democracia nas empresas, a predição de Marx, que o socialismo se imporá por exigência do desenvolvimento das forças produtivas será então realidade.
Obrigado.